terça-feira, 3 de agosto de 2010

Dardanelos e Belo Monte: a história se repete, artigo de Telma Monteiro

Nesta semana (26 a 31/07), as etnias Arara e Cinta Larga ocuparam as obras da usina de Dardanelos no rio Aripuanã, em Mato Grosso. As pressões sofridas pelos indígenas com a construção da hidrelétrica, criminosamente ignoradas no processo de licenciamento, vieram à tona. À época da concessão das licenças, os impactos que hoje afetam as Terras Indígenas (TIs) em Aripuanã foram considerados como “de baixa importância e baixa significância”. Apesar de ocuparem 6.863 quilômetros quadrados, totalizando 27,40 % da área do município, as TIs receberam o status de Área de Influência Indireta (AII) nos estudos ambientais.

Em 1944 nascia o município de Aripuanã, no noroeste de Mato Grosso (MT), na margem direita do rio Aripuanã. O rio Aripuanã corre paralelo ao Juruena, atravessa a divisa do Estado do Amazonas e vai desaguar no baixo curso do rio Madeira.

A região de Aripuanã sempre foi marcada por conflitos entre garimpeiros e indígenas. O município foi idealizado para ser colônia agrícola. A sede administrativa de Aripuanã, devido á dificuldade de acesso, ficou inicialmente em Cuiabá, depois passou para Manaus. Só em 1966 ela foi estabelecida no local atual, na Chapada de Dardanelos, ao lado do Salto das Andorinhas e do Salto de Dardanelos.
Da cidade encravada no meio da floresta amazônica, às margens do rio Aripuanã, se descortina a incrível beleza das águas que despencam de mais de 100 m de altura envolvendo as escarpas de arenito. Essa natureza exuberante é motivo de orgulho para os moradores de Aripuanã e marca registrada da região.

Tanta beleza cênica, no entanto, guarda, desde as décadas de 1950 e 1960, a memória do extermínio de indígenas em conflitos com seringueiros. Hoje, aproximadamente 500 Cinta-Larga e Arara ocupam as Terras Indígenas – Aripuanã, Serra Morena e Arara Rio Branco, no coração do município.

Duas Unidades de Conservação (UCs) – Estação Ecológica Flor do Prado e Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, também completam a majestade dessa região ungida pela natureza. Mais esse patrimônio natural, marco turístico, também não foi poupado pela sanha desenvolvimentista governamental.

Desde o ano 2000, projetos de aproveitamento hidrelétrico do rio Aripuanã têm sido analisados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Em 2004 os estudos da usina de Dardanelos foram aprovados pela ANEEL e o leilão de venda de energia marcado para dezembro de 2005 junto a outros oito aproveitamentos.
O processo de licenciamento ambiental foi conduzido pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado que concedeu as licenças com o aval da Assembléia Legislativa de MT.

O grupo indígena rebelado nesta semana, em Aripuanã, está cobrando das autoridades o cumprimento das medidas mitigadoras de (i) instalar e reforçar, em convênio com a FUNAI, postos de vigilância em pontos estratégicos para proteção das TIs Aripuanã, Serra Morena e Arara do Rio Branco (ii) promover articulações com o IBAMA e a Polícia Florestal do Estado do Mato Grosso para reforçar a fiscalização sobre a exploração de recursos florestais nas terras indígenas (EIA, Capítulo VII). No Parecer Técnico que subsidiou a Licença Prévia de Dardanelos não há nenhuma condicionante sobre a questão indígena.

Em dezembro de 2005 o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de MT ajuizaram uma Ação Civil Pública, com pedido liminar para excluir o empreendimento de Dardanelos do leilão de venda de energia. O processo de licenciamento conduzido pela secretaria, segundo os procuradores, está marcado por ilegalidades. A liminar foi concedida e Dardanelos ficou de fora desse leilão. Porém, em novo leilão no ano seguinte, a usina foi arrematada.

Os procuradores demonstraram, entre outras coisas, que as normas ambientais não tinham sido observadas e que a Linha de Transmissão, indispensável para levar a energia gerada pela usina, não foi objeto de análise financeira ou ambiental.

Os Estudos de Viabilidade Técnico-Econômica (EVTE) e o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) foram elaborados pela Eletronorte e Construtora Norberto Odebrecht (CNO). Em 2007 foi criada a Energética Águas de Pedra para construir e operar a Usina Hidrelétrica (UHE) Dardanelos e o seu Sistema de Transmissão. Esse consórcio, hoje responsável pelas obras, é formado pela Neoenergia (51%), pela Eletronorte (24,5%) e pela CHESF (24,5%).

O EIA/RIMA analisado pela SEMA de MT não questionou os aspectos e os efeitos dos impactos do empreendimento sobre as cachoeiras Salto das Andorinhas e Salto de Dardanelos. O projeto, inusitado na época, inclui o desvio de parte da vazão das águas do rio Aripuanã, a montante das quedas d’água, através de um canal de 3 mil metros, para alimentar as turbinas da casa de força. A redução da vazão do rio Aripuanã, no trecho das cachoeiras será responsável pelos principais impactos do empreendimento sobre o meio ambiente.

Como Belo Monte, no rio Xingu, o projeto de Dardanelos desconsiderou completamente a sazonalidade do rio Aripuanã. Cheias e estiagens extremas levam a vazões máximas de mais de 1 500 m³/s às mínimas de 18 m³/s. Guardadas as devidas proporções, Dardanelos é uma espécie de miniatura de Belo Monte.
Também no caso de Dardanelos os empreendedores procuraram transmitir segurança quanto à garantia de uma vazão que minimizasse, como se isso fosse possível, os impactos ambientais nas cachoeiras. A grande variação sazonal natural já tem, normalmente, reflexo na paisagem cênica das cachoeiras. São inimagináveis as conseqüências do desvio das águas do rio Aripuanã para mover as turbinas de Dardanelos. Outros projetos – Juina, Faxinal e Faxinal II – de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) reduzem ainda mais a vazão do rio Aripuanã, a montante de Dardanelos.

Em Dardanelos as obras estão em estado avançado e os efeitos são visíveis e inequívocos. Em Dardanelos a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) outorgada pela Agência Nacional de Águas (ANA) determinou que o valor reduzido de 21m³/s seria suficiente para manter as cachoeiras no período mais seco. Em Belo Monte a chamada vazão residual mínima para Volta Grande do Xingu ficou restrita a míseros 700 m³/s. Em ambos os projetos a chamada “vazão ecológica” chancela a destruição do rio.

O projeto de Dardanelos, afirmam os estudos, não terá reservatório, será a fio d’água. Belo Monte também. Em Dardanelos como Belo Monte o canal que desviará a maior parte da vazão está sendo escavado em rocha – a ordem de grandeza das escavações também é uma incógnita – e revestido em concreto.
Assim como Belo Monte, no rio Xingu, o projeto de Dardanelos, no rio Aripuanã tem uma concepção ultrapassada, cara, leva a extinção de patrimônio natural e aos impactos em Terras Indígenas; tem os mesmos idealizadores do projeto e é inviável economicamente. Só mudam, mesmo, a dimensão das obras e os valores dos investimentos.

No próximo artigo sobre Dardanelos mostrarei o descaso com que os responsáveis pelos aproveitamentos no rio Aripuanã trataram as Terras Indígenas. Uma análise acurada dos documentos do processo de licenciamento de Dardanelos vai mostrar como é possível destruir a auto-estima de populações tradicionais e povos indígenas.

Colaboração de Telma Monteiro, para o EcoDebate, 03/08/2010
https://twitter.com/TelmaMonteiro

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