quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Pescadores apresentam reivindicações para representantes do governo

http://www.xinguvivo.org.br/2012/09/27/2673/

Publicado em 27 de setembro de 2012
No nono dia dos protestos dos pescadores do Xingu, que se mantém acampados em ilha próxima às obras da barragem de Belo Monte, representantes do Ministério da Pesca e da Casa de Governo se reuniram com representantes da Colônia de Pescadores Z-57 em Altamira, no Pará. Também participaram da reunião a Associação dos Criadores e Pescadores de Peixes Ornamentais (ACEPOAT) e a Cooperativa dos Pescadores e Beneficiadores de Pescado de Altamira (COOPEBAX).
As associações de pescadores entregaram aos representantes do Governo Federal uma lista de reivindicações denominada: “Reivindicações Básicas mínimas para o inicio das tratativas dos movimentos sociais que utilizam o Rio Xingú como atividade de subsistência – Ribeirinhos e Pescadores de Altamira e Região”, tratando dos impactos da obra de Belo Monte, incluindo a continuidade do desenvolvimento das atividades de pesca e aquicultura no Rio Xingu.  No relatório do que o governo chamou de “audiência com os pescadores de Altamira”, as reivindicações foram encaminhadas para discussões futuras, em mesas de discussão entre “governo x Norte Energia”, e para “encaminhamentos a quem de direito”.
“Todas essas questões envolvendo os impactos de Belo Monte sobre os pescadores e suas famílias deveriam ter sido discutidas antes do início da construção. Agora o governo e a Norte Energia estão tentando fazer com os pescadores a mesma coisa que fizeram com os índios, enganando eles enquanto avançam com as obras”, diz Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo.
DRAMA DOS PESCADORES
Os pescadores denunciam o drama que estão vivendo com a diminuição dos peixes após o início da construção do barramento do rio e estão preocupados com o avanço acelerado das obras na ensecadeira do pimental, onde está sendo construído barramento para desviar o curso do rio.
“Agora você vem para o rio e aquela produção que você fazia em 3 dias, não consegue fazer nem em 8 dias. O peixe está diminuindo aqui. E pra cima do Xingu, não tem como a gente ir, porque o que não é área indígena já está cheia de pescadores. E aqui o peixe está sumindo. E os peixes que morrem eles recolhem e dão sumiço”, denuncia o pescador indígena Cecílio Caiapó, “A gente fica uma semana no rio e volta com uma mixaria de peixes pra casa. O que a gente vai mostrar pra nossa família? Quer dizer que as obras não podem parar mas a gente pode morrer de fome?”, questiona. Cecílio afirma que os pescadores só queriam poder continuar pescando, como sempre fizeram.
O pescador Lindolfo explica que desde o início do verão (em Maio deste ano), ele está sendo obrigado a gastar o dobro de combustível e tempo, para conseguir encontrar uma quantidade de peixes menor do que sempre conseguiu pescar no Xingu. “E aí, como é que eu fico? porque eles estão quase fechando o rio na ensecadeira”, diz Lindolfo.
Entre as demandas discutidas na reunião desta quarta, os pescadores  exigiram uma nova avaliação de impactos sobre os estoques de peixe através do levantamento dos estudos feitos pela UFPA e outros sobre monitoramento da pesca e biomas, como subsidio de avaliação do grau de impactos na produção e ambiente natural do pescado atualmente.
 
INTIMIDAÇÃO
Ao longo dos últimos dois dias, funcionários uniformizados do Consórcio Construtor de Belo Monte, têm desembarcado na ilha onde os pescadores estão acampados para filmá-los em atitude de intimidação. A ilha da resistência, como está sendo chamada pelos pescadores, não pertence ao CCBM.
“Nós estamos muito revoltados, porque podia ter vindo um representante da Norte Energia aqui fazer uma proposta justa pra gente e ao invés disso mandaram a polícia na semana passada e agora os guaxebas para ficarem filmando a gente sem autorização”, diz o pescador Cecílio, que acusa os funcionários da empresa responsável pela construção de Belo Monte de agirem com intuito de intimidá-los e de não respeitarem o direito dos pescadores à imagem.
“Essa é uma forma criminosa de intimidar os pescadores”, diz Antônia Mello, do Xingu Vivo.Segundo funcionários da empresa relataram à alguns pescadores, a proximidade do grupo às obras forçou o cancelamento de explosões que ocorreriam no final da tarde de ontem.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Protesto de pescadores contra Belo Monte afeta barragem do Xingu

http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamazonia/blog/2012/09/20/protesto-de-pescadores-contra-belo-monte-afeta-barragem-do-xingu/


Um grupo de pescadores impediu nesta quinta-feira a saída da balsa que leva maquinas e trabalhadores para as obras da barragem da usina de Belo Monte, em Altamira (PA). O grupo montou acampamento em uma das ilhas próximas à obra de barramento definitivo do Rio Xingu, a ensecadeira do sitio Pimental.
Os pescadores protestam contra a decisão do Ibama de permitir o fechamento definitivo do rio sem que a categoria tenha sido consultada e informada sobre como poderão desenvolver suas atividades, ou como se dará a transposição dos barcos sobre a barragem.
Leia mais:
Belo Monte abre caminho para garimpo bilionário no Rio Xingu
- O rio é nosso e viemos pra pescar. Não tem como proibir a pesca, nós temos de exercer o nosso trabalho – disse Lucio Vale, presidente da Colônia de Pescadores de Altamira.
Os manifestantes decidiram permanecer no local por tempo indeterminado. Eles exigem a presença da Norte Energia e do Ibama para negociar algumas demandas imediatas ligadas à atividade de pesca, como indenizações para o setor e autorizações para a pesca de espécies sensíveis.
Ana Laide Barbosa, do Movimento Xingu Vivo, disse que os pescadores estão sentindo uma redução de cerca de 50% na produção de peixes.
- O rio está secando. Muitas espécies não desovaram no último ano em função da intervenção da Norte Energia no rio, tem muito peixe morrendo, e em alguns locais a empresa quer impedir o trabalho dos pescadores.
Um grupo de pescadores de peixes ornamentais se juntou na noite de quarta-feira ao grupo e exige a presença do Ibama para negociar a pesca de espécies que são encontradas apenas na região da barragem, e que vão morrer com a intervenção da Norte Energia.
- Eles argumentam que, se estas espécies vão morrer, o Ibama deve liberar sua coleta aos pescadores de peixes ornamentais para que sejam salvos e comercializados – acrescentou Ana Laide.

Pescadores paralisam obra de barragem do Xingu

Publicado em 20 de setembro de 2012


Um grupo de cerca de 50 pescadores montou acampamento em uma das ilhas próximas à obra de barramento definitivo do Xingu – a ensecadeira do sitio Pimental – e nesta quarta, 19, impediu a saída da balsa que leva maquinas e trabalhadores para as obras no canal.
Após realização de assembléia, os manifestantes decidiram que permanecerão no local por tempo indeterminado, e exigem a presença da Norte Energia e do Ibama para negociar algumas demandas imediatas ligadas à atividade de pesca, como indenizações para o setor e autorizações para a pesca de espécies sensíveis.
“Os pescadores estão sentindo uma redução de cerca de 50% na produção de peixes. O( rio está secando. Muitas espécies não desovaram no último ano em função da intervenção da Norte Energia no rio, tem muito peixe morrendo, e em alguns locais a empresa quer impedir o trabalho dos pescadores”, explica Ana Laide Barbosa, do Movimento Xingu Vivo, que acompanha a mobilização.
Na noite de quarta, um grupo de pescadores de peixes ornamentais se juntou ao grupo e exige a presença do Ibama para negociar a pesca de espécies que são encontradas apenas na região da barragem, e que vão morrer com a intervenção da Norte Energia. “Eles argumentam que, se estas espécies vão morrer, o Ibama deve liberar sua coleta aos pescadores de peixes ornamentais para que sejam salvos e comercializados”, explica Ana Laide.
Protesto
Segundo as lideranças do movimento, o acampamento é um protesto contra a decisão do Ibama de permitir o fechamento definitivo do rio. Neste processo, a categoria não foi consultada nem informada sobre como poderão desenvolver suas atividades, ou como se dará a transposição dos barcos sobre a barragem. “O rio é nosso e viemos pra pescar. Não tem como proibir a pesca, nós temos de exercer o nosso trabalho”, afirma Lucio Vale, presidente da Colônia de Pescadores de Altamira.
No fim da tarde do dia 19, agentes da polícia civil, acompanhados por membros da Norte Energia, estiveram no local da manifestação. Segundo seus agentes, foram certificar-s de que o movimento era pacífico.

     

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Pescadores iniciam protesto contra barramento do Xingu e falta de negociações com o setor

Publicado em 17 de setembro de 2012

Cerca de 40 pescadores de Altamira iniciaram nesta segunda, 17, uma ação de protesto contra o barramento definitivo do Xingu, autorizado na última semana pelo Ibama, e a tentativa do Consórcio Norte Energia de coibir a pesca em várias áreas de impacto das obras de Belo Monte. De acordo com os pescadores, com a diminuição drástica de peixes no rio; devido á existência de algumas espécies ornamentais apenas em locais próximas aos canteiros, e diante do fato de que possuem autorização legal para pescar, a Norte Energia foi comunicada (1) que as atividades de pesca ocorrerão onde forem mais rentáveis, e que a empresa deverá paralisar suas atividades quando houver pescadores nas proximidades (ver documentos no pé da pagina).
Barragem
No dia 12 de setembro, o Ibama autorizou (2) a concessionária Norte Energia a concluir o barramento definitivo do rio Xingu, após anuência da Funai, que alega ter realizado uma série de reuniões com lideranças indígenas para explicar como será feita a transposição de barcos de um lado ao outro da barragem.
No documento em que autoriza o barramento do rio (3), a Funai reconhece que não foram incluídos nos processos de “esclarecimento” os indígenas da terra indígena Trincheira Bacajá (localizada no rio Bacaja, afluente do Xingu na área que será isolada da cidade de Altamira), e que já haviam afirmado que “já estamos cansados de ouvir transposição. Queremos que as condicionantes sejam cumpridas!” (4).
Por outro lado, a Funai destacou que, como a Volta Grande deve secar com o barramento do rio e o trecho a montante deverá alagar, afetando as ilhas e causando banzeiros no rio, muitas embarcações terão problemas para navegar, questão não resolvida pela Norte Energia.
Apesar deste questionamento, e de questionamentos anteriores de técnicos do próprio Ibama (5) e da Agencia Nacional de Águas (ANA) (6), e principalmente, apesar do descumprimento da maioria das condicionantes ambientais e indígenas pela Norte Energia, a licença foi emitida.
Pescadores
Neste processo, um setor foi completamente alijado das discussões e de qualquer esclarecimento: os pescadores e ribeirinhos do Xingu. De acordo com a Colônia de Pescadores de Altamira e da associação dos comerciantes de peixes ornamentais da região, em nenhum momento as organizações foram procuradas, receberam qualquer explicação e muito menos indenizações pelo impacto já sofrido na atividade.
“Os pescadores estão revoltados. Há um suposto cadastramento das famílias afetadas, cerca de 2,5 mil, mas são muito mais, e ninguém falou com a gente. No ano passado já não aconteceu a piracema, os peixes não desovaram por conta das explosões nos canteiros e da luz forte no rio, e o peixe está acabando”, explica Jacson Diniz, da colônia de pescadores de Altamira.
De acordo com os pescadores, muitas famílias já estão passando fome e necessidades. No dia 11 de setembro, o pescador Zacarias Pereira de Oliveira, cuja esposa tem câncer no útero, acabou preso (7) por caçar 11 tartarugas para pagar seu tratamento, perdeu sua canoa, o motor e a rede, e deverá responder por crime ambiental.
No início de junho, a Colônia de Pescadores Z-57 de Altamira ajuizou Ação Ordinária contra o IBAMA e a Norte Energia, alegando que as obras da usina, em especial a construção de ensecadeiras, “impediriam a pesca e trafegabilidade no Rio Xingu, que os igarapés ficariam secos e a água imprópria para o consumo e para vida dos peixes, o que prejudicaria a ictiofauna e os pescadores, sem que qualquer tipo de abordagem aos seus filiados tivesse sido realizada quanto ao monitoramento, questionamento e pesquisa dos impactos negativos”. A ação foi indefirida pela Justiça.
Além de todos os impactos que vem causando no rio, a Norte Energia tem impedido a pesca nas proximidades das obras, diminuindo ainda mais as possibilidades de sobrevivência dos pescadores.
“Eles estão ferindo todos os nossos direitos. Ja buscamos a Justiça, mas aqui em Altamira é um absurdo, toda semana troca o Juiz, parece que é de propósito para atrasar nossos processos. Mas vamos pescar onde quisermos pescar, e a Norte Energia vai ter que respeitar. Nós temos autorização legalpara isso”, explica Jacson.
Documentos:
1. Comunicado à Norte Energia sobre atividades de pesca
2. Autorização do Ibama para o barramento do Xingu
3. Anuência da Funai para barramento do Xingu
4. Carta dos Xikrin sobre transposição
5. Conclusão do parecer técnico do Ibama sobre transposição
6. Parecer técnico da ANA sobre transposição
7. Auto de infração contra o pescador Zacarias

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas

quarta-feira, 12 de setembro de 2012



Desenho do projeto Volta Grande em que foi omitida a TI Arara da Volta Grande
ESCRITO POR TELMA MONTEIRO para o Correio da Cidadania 
TERÇA, 11 DE SETEMBRO DE 2012

Como se viabiliza a maior exploração de ouro da história da Amazônia, aproveitando a implantação de empreendimentos hidrelétricos. Isso já está acontecendo no Xingu. Na região do Tapajós, Província Mineral do Tapajós, já há mais de uma dezena de projetos de mineração de ouro de grande porte, em processo de licenciamento, tocados por duas empresas canandenses. Enquanto a sociedade está envolvida nas preocupações e resistências contra os impactos que os empreendimentos hidrelétricos causarão, empresas transnacionais se apoderam de grandes nacos de terra, ajudados por sócios brasileiros.  
Pode-se começar essa história ainda no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) de Belo Monte no capítulo que fala dos direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu. Nele consta que há 18 empresas, entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com requerimento para pesquisa, 7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa com concessão de lavra (CVRD, concessão para extração de estanho) na região onde estão construindo Belo Monte.
Eram, na época de realização dos estudos ambientais, 70 processos incidentes sobre terras indígenas que têm 773.000 hectares delimitados, dos quais 496.373 hectares são alvo de interesses para extração de minério, representando 63% do território indígena. Empresas como a Companhia Vale do Rio Doce, Samaúma Exportação e Importação Ltda., Joel de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara têm títulos minerários incidentes na Terra Indígena Apyterewa. Ainda tem muito mais.
Independente das regras que norteiam o setor de mineração em vigor ainda hoje no Brasil, o governo pretende autorizar a extração de minérios — ouro e diamantes, principalmente — em terras indígenas (1). Nos últimos anos houve uma seqüência de descobertas de jazidas de bauxita, caulim, manganês, ouro, cassiterita, cobre, níquel, nióbio, urânio, entre outros minerais mais nobres, em toda essa região do rio Xingu. Fica nítido quando se olha para os mapas de direitos minerários apresentados nos estudos dos projetos Belo Monte, Complexo Teles Pires e Complexo Tapajós.
Estrategistas militares defendem há décadas o domínio do Brasil sobre as jazidas e sua exploração para evitar que Terras Indígenas se tornem territórios fechados e inacessíveis, o que impediria a exploração, a exemplo do que acontece hoje com a Reserva Ianomami (2). Nas terras indígenas da região do Xingu próximas aos canteiros de obras da UHE Belo Monte estão concentrados pedidos de autorizações de pesquisa e lavra de minerais nobres, como ouro, diamante, nióbio, cobre, fósforo, fosfato.

Direitos minerários na região da Volta Grande do Xingu
A implantação do projeto da hidrelétrica Belo Monte é a forma de viabilizar definitivamente a mineração em terras indígenas (3) e em áreas que as circundam, em particular na Volta Grande, trecho de mais de 100 quilômetros que vai praticamente secar com o desvio das águas do Xingu. E é justamente nas proximidades do barramento principal, no sítio Pimental, que está sendo montado o maior projeto de exploração de ouro do Brasil, que vai aproveitar o fato de que a Volta Grande ficará seca por meses a fio com o desvio das águas do rio Xingu.
Há mais de dois meses está disponível na Internet o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto Volta Grande da empresa canadense Belo Sun Mining Corp., de junho de 2012. O estudo defende as vantagens de se fazer uma operação de lavra a céu aberto para beneficiamento de minério de ouro com "tecnologia e equipamentos de ponta, similares a outros projetos no estado do Pará".
Algumas pérolas podem ser encontradas no RIMA do Projeto Volta Grande como: "os Planos de Desenvolvimento do Governo Federal e do Governo do Pará, para a região do Projeto Volta Grande, apontam a necessidade de investimentos em infraestrutura, educação básica, saúde e outros aspectos que permitam melhorar os indicadores de desenvolvimento social e econômico da região, e promover a melhoria da qualidade de vida de suas populações, de forma mais igualitária e sustentável".
 Funcionários da empresa canadense conhecendo território onde pretendem extrair ouro  
 Incrível como, além das hidrelétricas, os projetos de mineração, na visão do governo federal e do governo do Pará, também se tornaram a panaceia para solucionar todos os problemas não resolvidos de desenvolvimento social. Papel que seria obrigação do Estado, com o dinheiro dos impostos pago pelos cidadãos de bem.
Ainda, segundo o estudo apresentado pela Belo Sun Mining Corp., o investimento total no projeto de mineração de ouro da Volta Grande será de US$ 1.076.724.000,00, que pretende, como "brinde", propiciar controle e monitoramento ambiental e social e colaboração para a realização do desenvolvimento social, econômico e ambiental daquela região. A vida útil do projeto foi estimada em 12 anos de acordo com as pesquisas já efetuadas.
Não é uma maravilha?
Mas no RIMA (a reportagem teve acesso ainda ao EIA) faltaram alguns esclarecimentos: não há menção aos índígenas da região, nem ao fato de que as obras de Belo Monte facilitarão o projeto Volta Grande e nem por que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará está licenciando o empreendimento, quando deveria ser o Ibama. São 106 processos de licenciamento de mineração – ouro, bauxita, diamante, cassiterita, manganês, ferro, cobre, areia, granito – no site do Ibama, dos quais 30 são no estado do Pará. Então, por que esse licenciamento escapou da análise dos técnicos do Ibama?
Os impactos ambientais do projeto da Belo Sun Mining sobre a biodiversidade vão atingir principalmente a qualidade das águas superficiais e subterrâneas - assoreamento dos cursos d'água -, o que acrescenta à região mais um agravante para aumentar o prejuízo das comunidades indígenas da Volta Grande e do rio Bacajá, já às voltas com impactos semelhantes decorrentes das obras de Belo Monte. Sem contar o precedente que vai escancarar as portas para exploração de outras jazidas. (Ver mapa abaixo)
Os índios isolados na área do projeto da Belo Sun Mining
A presença de indígenas em isolamento voluntário na região dos rios Xingu e Bacajá está descrita desde a década de 1970 (4). Há estudos e testemunhos que comprovam sua presença nas cabeceiras do Igarapé Ipiaçava e de um grupo isolado (ou grupos isolados) na Terra Indígena (TI) Koatinemo. Testemunhos colhidos em 2008 confirmaram a presença de indígenas em isolamento voluntário. Os Asurini relataram seu encontro com isolados, depois de uma expedição de caça na cabeceira do Igarapé Ipiaçava.
O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp está em parte nas áreas de perambulação desses grupos em isolamento voluntário. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte, Componente Indígena, reconheceu a presença de indígenas em isolamento voluntário na cabeceira do córrego Igarapé Ipiaçava e na Terra Indígena Koatinemo dos Asurini (5). Em Parecer Técnico, a Funai (6) fez referência aos impactos (7) que poderiam afetar os indígenas em isolamento voluntário, observando que a ação de grileiros e invasores vai ameaçar sua integridade física e cultural.
O parecer da Funai ainda alerta para o fato de que o desvio das águas e a redução da vazão do rio Xingu no trecho da Volta Grande pode gerar efeitos em cadeia sobre a ictiofauna nas florestas marginais ou inundáveis; o movimento migratório vai criar aumento populacional na região e provocar pressão sobre os recursos naturais; essa pressão levará às invasões das terras indígenas onde perambulam os grupos de indígenas em isolamento voluntário (8).

Área (em vermelho) do projeto Volta Grande que avança sobre o rio Bacajá
 A Funai também propôs que antes do leilão de compra de energia de Belo Monte, ocorrido em 20 de abril de 2010, o poder público deveria coordenar e articular ações para a proteção dos indígenas em isolamento voluntário. Para isso era preciso publicar uma Portaria de Restrição (9) de Uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo.
Em 11 de janeiro de 2011, finalmente, a Funai conseguiu publicar a Portaria de Restrição nº 38, que estabeleceu restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Funai na área descrita, pelo prazo de dois (02) anos a contar de sua publicação. A área descrita na Portaria, Terra Indígena Ituna/ Itatá, está localizada nos municípios de Altamira,Senador José Porfírio e Anapu, estado do Pará, tem superfície aproximada de 137.765 hectares (ha) e perímetro aproximado de 207,2 km. (Ver mapa)

Círculo vermelho maior é a região objeto da Portaria nº38 da Funai
O projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. está sendo implantado no município de Senador José Porfírio, na área da Portaria nº 38 da Funai, que visou proteger os grupos de isolados. Em conversa sobre a Portaria, válida até dezembro de 2012, com um funcionário da Funai que não quis ser identificado nesta matéria, ele me disse que até o final do ano tem que escrever uma nova justificativa para sua reedição e para isso precisam de mais informações sobre o projeto Volta Grande e outros previstos na região. Ainda, segundo ele, existem depoimentos mais recentes sobre a presença dos índios isolados e a Funai está tratando a região da Portaria nº38 como prioridade. A Funai tem tido muitas dificuldades, feito muitas investidas na área e os estudos estão andando, com seis expedições realizadas no último ano, concluiu.
A Audiência Pública para "apresentar" o projeto Volta Grande da Belo Sun Mining Corp. para a sociedade está marcada para o próximo dia 13 de setembro.
Belo Sun Mining Corp.
A empresa responsável, aqui no Brasil, pelo Projeto Volta Grande é a Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária brasileira da empresa canadense Belo Sun Mining Corporation, que pertence ao grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado voltado para projetos de mineração em todo o mundo.

Em azul, permissões já concedidas para exploração de ouro na divisa com a
TI Arara da Volta Grande
A Belo Sun Mining Corp. foi lançada na Bolsa de Valores de Toronto, em 30 de abril de 2012, em ritmo de festa e comemoração. No seu site atualizadíssimo, a empresa não esconde suas pretensões de exploração mineral na Amazônia e que tem um portfólio de propriedades no Brasil. O foco principal da Belo Sun é explorar a mineração numa área que, afirma, é 100% de sua propriedade e que tem ouro estimado em aproximadamente 2,85 milhões de onças.

Lançamento da Belo Sun Mining  Corp. na Bolsa de Valores de Toronto, Canadá
Quando se lê os diversos documentos dá para entender tanto entusiasmo e como o projeto Volta Grande se tornou a menina dos olhos da Belo Sun, pois controla os direitos de mineração e exploração de 130.541 hectares (1.305 km ²). Como isso foi possível ainda é preciso investigar, pois durante algum tempo as equipes da companhia têm atuado na Volta Grande do Xingu, sem disfarces, realizando perfurações e tocando, na Secretaria Estadual de Meio Ambiente do estado do Pará, o processo de licenciamento ambiental. O farto material fotográfico disponibilizado no site dá uma desagradável sensação de que muito poder está por trás desse bilionário negócio.

Diretores e administradores da Belo Sun Mining Corp. 
Outro projeto, Patrocínio, na região do Tapajós, também da Belo Sun Mining Corp., está sendo desenvolvido e merece um capítulo à parte.
Embora a empresa tenha informado nos estudos ambientais que se trata de explorar uma jazida próxima à superfície, em condições geológicas favoráveis, com extração a céu aberto, no site ela faz referência à existência de um potencial de alta qualidade em profundidades de pelo menos 200 metros ou 300 metros abaixo da superfície. Parece que nada está sendo descartado no projeto e que a construção da barragem principal de Belo Monte, no sítio Pimental, para desviar o rio Xingu justamente no trecho da Volta Grande, vai beneficiar a extração do ouro em grandes profundidades.
Outro detalhe que chamou a atenção sobre a Belo Sun Mining Corp. é que, nos documentos disponibilizados agora neste mês (setembro), a referência à companhia foi alterada e o símbolo, na estrutura do capital da empresa, está representado como TSX: BSX. Em uma nota de 2011, o Brasil Econômico conta sobre a Belo Sun e a extração de 4 milhões de onças troy (barra de 31,1 gramas) em Altamira, no Pará, e dá o empresário Eike Batista como potencial investidor devido à ligação dele com o a região, onde explorou ouro entre 1980 e 1990.

Os dois principais projetos de mineração de ouro da Belo Sun: Patrocínio (Tapajós) e Volta Grande (Xingu)
Começa a fazer sentido. Talvez Eike Batista seja o grande investidor da Belo Sun Mining Ltda., subsidiária da Belo Sun Mining Corp.
A mineração no Brasil
Em maio de 2011, o governo divulgou o Plano Nacional de Mineração (PNM) 2030, com um objetivo mal explicado de que o setor mineral contribuiria com um Brasil sustentável. Palavras expressas na introdução feita pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
A pretensão de apresentar uma visão de futuro calcada no desenvolvimento do setor mineral brasileiro com objetivo estratégico de sustentabilidade é, no mínimo, ofensiva. A justificativa que o PNM utiliza para antecipar a ideia de que haverá maior pressão no uso e ocupação do solo é que a demanda por bens minerais em países emergentes deverá crescer nas próximas décadas.
As áreas chamadas de Restrição Legal, que são as unidades de conservação, terras indígenas, as terras quilombolas, áreas destinadas à reforma agrária, são consideradas uma espécie de entrave à expansão da atividade mineral. Um exemplo que é citado no PMN, como um intróito para conduzir o leitor a entender a necessidade de exploração de mineral em terras de restrição legal, é o Plano de Manejo, considerado como um verdadeiro obstáculo às práticas de "atividades econômicas".
As terras indígenas também são consideradas restritivas à atividade mineral, pois impedem que mais de 25% da Amazônia Legal e 12% do território nacional sejam exploradas. O artigo 231, § 3º, da Constituição Federal de 1988 é entendido como passível de regulamentação, pois prevê que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas se dêem após aprovação do Congresso Nacional, desde que as comunidades afetadas sejam ouvidas, assegurando-lhes participação no resultado de lavra. Como a lei não foi regulamentada, o PNM lhe atribui um quê de inconveniência para a concretização dos planos de mineração ali contidos.
Regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal torna-se, então, no PNM, um desafio para que no futuro se possa disciplinar a relação entre a atividade minerária e as comunidades indígenas. A articulação pressupõe uma melhoria no conhecimento geológico do Brasil para facilitar a identificação de novas jazidas e, o que é pior, a maior autonomia do Estado até para a oferta de insumos minerais para o setor agropecuário. Sem nenhum resquício de pudor, o PNM expõe o objetivo claro de obter, com a regulamentação, a permissão de "abertura de minas em terras indígenas", que "também amplia o escopo de atuação do setor (minerário) na região Norte".
Não é de se surpreender que até um papel estratégico para a conservação das florestas foi atribuído ao setor mineral, sem sequer um esclarecimento de como isso se daria em plena Amazônia. À exploração de urânio também é concedida uma colocação de arrepiar, considerada como uso preferencial de produção de energia que reduz os gases de efeito estufa. Exploração essa na Amazônia, subentende-se, e em terras indígenas e unidades de conservação!
A mineração na Amazônia passa a ser destacada como a atual fronteira da expansão mineral, encarada com verdadeiro otimismo no texto, dado o florescimento dos grandes empreendimentos já em curso desde o século XX. São citados todos os projetos cujos impactos se conhecem largamente, como a lavra de bauxita de Juruti, no Pará; a lavra de manganês da Serra do Navio (AP); de bauxita do rio Trombetas, Paragominas; de estanho de Pitinga (AM) e de Rondônia; de ferro, manganês, cobre e níquel de Carajás (PA); de caulim do Jari (AP) e da bacia do rio Capim (PA); de alumina e alumínio de Barcarena (PA); de escoamento de ferro-gusa pela ferrovia de Carajás.
Todo o plano nos leva a antever um grande e único processo de exploração mineral na Amazônia, já precedidos da destruição imposta pelos projetos hidrelétricos e hidrovias. A exploração do grande potencial mineral identificado na Amazônia, especialmente em terras indígenas, está, pelo menos no papel e no Congresso Nacional, em curso, bem pontuada nos planos do governo federal com projetos significativos para facilitar o conhecimento geológico do Brasil.

Na região amazônica, 5% da área que deverá ser estudada para aumentar o conhecimento geológico correspondem a terras indígenas e o documento estabeleceu diretrizes para mineração em áreas com restrições legais. Entre elas, o conhecimento do subsolo para tomada de decisão que se adeque aos "interessese nacionais, regionais ou locais." O que isso quer dizer, na prática, é que, apesar de a definição de acesso e uso das terras indígenas estar bem clara na Constituição de 1988, uma agenda de entendimentos vai propiciar a regulamentação em tramitação no Congresso e, assim, viabilizar a mineração em terras indígenas e quilombolas. Tudo em nome do interesse nacional.
O PNM propõe duas ações com relação às áreas com restrições legais, para aparar as arestas que travam o desenvolvimento da atividade minerária: uma é articular com órgãos de usos e ocupações do solo restritivos à atividade mineral, que seriam o meio ambiente, terras indígenas e de quilombolas, áreas para reforma agrária, sítios arqueológicos e fossilíferos, entre outros; e a outra é apoiar a aprovação de lei que regulamente o aproveitamento dos bens minerais nas terras indígenas, segundo dispõe o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
O Projeto de Lei da mineração
É da competência exclusiva do Congresso Nacional "autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais", Art. 49, inciso XVI, da Constituição Federal (CF). As riquezas minerais são sempre de interesse nacional e econômico, mas, no que diz respeito à preservação dos interesses das populações indígenas, há uma grande distância.
Está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) 1610/96 que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais em terras indígenas e que sofre uma grande pressão para que seja aprovado ainda este ano. Uma comitiva de deputados da Comissão Especial de Mineração em Terras Indígenas foi à Austrália para ver como é que fazem por lá, para que os indígenas aceitem a mineração em suas terras. Foram estudar a legislação, contratos, royalties e a regulação do sistema de exploração mineral em áreas indígenas, além-mar, para elaborar um parecer ao PL 1610.
O marco regulatório e o novo código da mineração
Em 2011, o Ministério de Minas e Energia resolveu lançar a discussão do novo Marco Legal da mineração brasileira, fez um diagnóstico onde apontou burocracia e uma certa "fraqueza" do poder concedente como as principais dificuldades que atingem o setor. Entre os objetivos propostos para o novo Marco Legal estão o fortalecimento do Estado para ter soberania sobre os recursos minerais, propiciar o maior aproveitamento das jazidas e atrair investimentos para o setor mineral. Tudo indica que os investidores já estão a postos.
Lógico que, no pacote do novo Marco Legal da mineração brasileira, o MME aproveitou para criar o Conselho Nacional de Política Mineral e a Agência Nacional de Mineração (ANM), que, provavelmente, serão preenchidos com a nomeação de pessoas em cargos de confiança. Isso já acontece, por exemplo, com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), subordinada diretamente ao MME.
As propostas do governo Dilma Rousseff, para alterar o Código de Mineração, que é de 1967, e criar a Agência Nacional de Mineração, serão examinadas pelo Congresso Nacional a partir deste mês de setembro. A principal mudança no Código de Mineração será que o governo passará a leiloar o direito de exploração que, atualmente, é conferido por ordem de chegada.
Todas essas alterações previstas no setor mineral no Brasil, no entanto, não vão alterar em nada as licenças para pesquisa e exploração de novas jazidas já concedidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, recentemente anunciou que as autorizações novas estariam suspensas até que o novo Codigo de Mineração seja aprovado pelo Congresso. Qualquer processo em tramitação e não concluído no DNPM, portanto, ainda segundo o ministro, perderiam a validade e as jazidas seriam futuramente leiloadas de acordo com as novas normas.
Para se ter uma ideia do tamanho do filão minerário no Brasil localizado principalmente na Amazônia, são mais de 5 mil alvarás de pesquisa e 55 portarias de lavra que estão em processo de aprovação no DNPM. Lógico que a gritaria é grande por parte das mineradoras que estão na fila de espera, especialmente quando elas levam em conta que a Compensação Financeira pela Exporação de Recursos Minerais (CFEM) vai passar de 0,2% para até 6%. Mas, para o Ministério de Minas e Energia, tocado por Edison Lobão, sob a chefia de José Sarney, a aprovação do Código da Mineração aumenta ainda mais o seu poder, passando a ser so controlador direto dos leilões de concessões, como o da energia.

Essa é uma herança do governo Lula desde 2010 que Dilma Rousseff agora está tocando com celeridade.
Esse resumo sobre as tramitações que envolvem as alterações no setor de mineração serve para esclarecer o porquê de grandes empresas internacionais estarem ao mesmo tempo "atacando" as principais regiões onde estão as maiores riquezas minerais no Brasil. Uma delas é onde está sendo construída a hidrelétrica Belo Monte, na Volta Grande do Xingu; uma outra é na Província Mineral do Tapajós, justamente onde o governo planeja a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós. Coincidência ou não, as empresas são canadenses e têm vários projetos para exploração de ouro nessas áreas.
Notas:
1) Governo quer mineração em áreas indígenas da Amazônia; disponível emhttp://www.amazonianet.org.br/index.php?system=news&news_id=652&action=read.
2) Idem acima.
4) AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), páginas 103/111/113. Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75, abril de 2009.
5) Idem, p. 103
6) UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
7) Parte 4 – Avaliação Geral dos Impactos Socioambientais nas Populações Indígenas, p. 87.
8) “A continuidade e possível intensificação dessa ocupação por não-índios colocará em risco a integridade física dos grupos isolados, sendo necessária a interdição da área e as devidas ações de fiscalização. Em setembro de 2009 a Funai enviou outra expedição para a região com o mesmo objetivo de identificar a presença dos isolados, mas ainda não obtivemos as informações com os resultados dessa nova tentativa.” p. 86, UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer Técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI.
9) “1) Medidas ligadas ao Poder Público, a serem implementadas em diferentes etapas: a) Ações até o leilão: 3. Publicação de portaria para restrição de uso entre as Terras Indígenas Trincheira Bacajá e Koatinemo, para proteção de índios isolados”; UHE Belo Monte – Componente Indígena Parecer técnico nº 21/CMAM/CGPIMA-FUNAI, ps. 95/96.

Telma Monteiro é colunista do Correio da Cidadania

Parecer reitera posição do MPF pela paralisação de Belo Monte

Data: 12/09/12

Fonte: MPF-PA

Link: http://www.prpa.mpf.gov.br/news/2012/parecer-reitera-posicao-do-mpf-pela-paralisacao-de-belo-monte

Segundo o parecer, a reclamação da AGU deve ser considerada improcedente diante da exigência constitucional de oitiva prévia das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento
A Procuradoria Geral da República enviou ao Supremo Tribunal Federal parecer de mérito na reclamação (Rcl 14404) ajuizada pela União para suspender liminar que determinou a paralisação das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Segundo o documento assinado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, a reclamação não deve ser conhecida e, sucessivamente, deve ser considerada improcedente. Liminar na reclamação já foi concedida pelo presidente do STF, ministro Ayres Britto.
A reclamação foi ajuizada com o pedido final para que seja anulado o acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que suspendeu as obras, por desrespeitar a decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Suspensão de Liminar (SL) nº 125.
O parecer argumenta que a SL nº 125 jamais foi submetida ao plenário da Corte Suprema. “Houve apenas a decisão singular da Presidente do STF e, quando provocada mediante agravo regimental, teve este por prejudicado em razão do julgamento de mérito da ação civil pública”, diz. Para a PGR, só seria possível o manejo da reclamação para preservar a declaração de constitucionalidade do Decreto Legislativo 788 (que autorizou Belo Monte) se esta fosse uma decisão do plenário do STF, e não uma decisão monocrática da então presidente da Corte.
O parecer destaca ainda um aspecto de conteúdo que inviabiliza a reclamação, tendo em vista jurisprudência do STF: a falta de identidade material entre a decisão reclamada e aquela tida por paradigma. Isto porque, segundo a PGR, a decisão proferida na SL 125 teve o plano da constitucionalidade e o acórdão reclamado julgou o feito exclusivamente à luz da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho.
Eficácia – Os autores consideram ainda que, caso superadas as objeções quanto ao cabimento da reclamação, persiste uma questão quanto à eficácia da decisão proferida na SL 125, que foi alvo de agravo regimental do Ministério Público Federal, considerado prejudicado por causa de decisão de mérito proferida na ação civil pública ajuizada perante a Vara Federal de Altamira (PA). “Na forma em que lançada a decisão proferida no agravo regimental, o MPF foi levado a crer que a presidência dessa Corte não mais considerava válida a decisão suspendendo a liminar antes concedida.”
Assim, o parecer da PGR invoca o princípio da proteção à confiança legítima, argumentando que desse princípio decorrem duas consequências possíveis: ou não se considera mais válida a decisão proferida na SL 125, ou se permite a discussão de seus fundamentos, tal como antes pretendido no agravo regimental, que é o que o parecer passa a fazer.
Fundamentos – Segundo o documento, a consulta aos povos indígenas, quanto às medidas administrativas e legislativas que possam afetá-los, é consequência lógica e necessária de sua autodeterminação, ou seja, da possibilidade de traçarem para si, livres da interferência de terceiros, os seus projetos de vida.
“Também decorrência lógica da autodeterminação dos povos indígenas, ideia força de uma sociedade plural, é que a consulta seja prévia. A consulta posterior, quando já consumado o fato sobre o qual se pretende discutir, é mera forma sem substância, incompatível com as liberdades expressivas e a gestão do próprio destino que tanto a Constituição, quanto a Convenção 169/OIT lhes asseguram.”
Para a PGR, a consulta prévia e informada dos povos indígenas consta da maior parte dos documentos internacionais que, de alguma forma, lhes dizem respeito e, além de ser uma norma convencional, é também um princípio geral de direito internacional. O parecer também destaca vários dispositivos da Constituição brasileira que apontam no sentido de um Estado cooperativo.
De acordo com os autores, a exigência constitucional de oitiva prévia das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento se justifica diante de dois objetivos, ambos da maior relevância: de um lado, franquear aos parlamentares o acesso a dados e posições relevantes sobre o tema a ser decidido, possibilitando com isso uma decisão congressual mais bem informada e tendencialmente mais correta; de outro, ela dá aos povos indígenas a chance de acesso ao contraditório na esfera política, garantindo-lhes a possibilidade de tentar influenciar na tomada de decisão parlamentar que lhes atingirá diretamente.
Segundo o parecer, no espaço legislativo, não há real paridade de armas entre os grupos interessados na realização de empreendimentos econômicos de vulto, como a exploração de energia elétrica, e as comunidades indígenas. “Por isso, é tão importante a existência de mecanismo institucional que assegure a voz dos povos indígenas nas deliberações parlamentares que lhes dizem respeito”, afirma.
Por fim, o parecer lança uma pergunta: é possível situar o interesse público apenas na realização da obra? “Essa talvez fosse uma questão de fácil resposta em face de um ordenamento constitucional consagrador de um direito hegemônico. No caso de uma Constituição emancipatória, que assegura os direitos de minorias, impondo limites materiais às decisões das maiorias eventuais, o interesse público não pode ser medido em desconsideração a esses grupos”, alerta.
Reclamação nº 14404

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terça-feira, 11 de setembro de 2012

MS: pistoleiros sitiam acampamento indígena e destroem barracos

Indígenas Guarani Kaiowá sofreram mais um ataque de pistoleiros em Paranhos, no Mato Grosso do Sul, divisa do Brasil com o Paraguai. Segundo lideranças que estão no local, na segunda-feira, 10, cerca de 30 homens armados sitiaram o acampamento, destruíram barracos e roubaram os pertences das famílias desabrigadas.


A reportagem é de Ruy Sposati e publicado pelo sítio do Cimi, 10-09-2012.

A Terra Indígena - chamada Tekoha, ou território sagrado, pelos guarani kaiowá - em questão já foi homologada pelo governo federal, apesar da desintrusão de não-indígenas da área ainda não ter sido realizada. Este é segundo ataque em menos de duas semanas no mesmo local, e o quarto desde a retomada, realizada no dia 16 de agosto.  Em um dos conflitos, um acidente provocado pelos pistoleiros levou um bebê de menos de um ano à morte. Outro guarani kaiowá permanece desaparecido.

Pela manhã, ao menos 30 homens armados fizeram um cerco ao acampamento dos indígenas. "Desde a semana passada, os pistoleiros estão armando um acampamento com telhado de ethernite ao redor da gente", explica Dionísio Guarani. "Eles tem tudo calibre 12, 38, pistola, bala na cintura. Hoje de manhã, eles se aproximaram e atiraram pra cima", relatou.

A situação se acirrou durante a tarde, quando a comunidade foi invadida por dezenas de homens armados. "Chegaram atirando pra cima. Vindo pra cima. Destruíram dois barracos e levaram tudo. Pra queimar em algum lugar. Nós gritamos muito". Duas famílias estão desabrigadas, mas, segundo Dionísio, novas moradias já estão sendo construídas para acolhê-las.

Denúncia

Os indígenas já denunciaram a situação para o Ministério Público Federal (MPF) - que já havia pedido instauração de inquérito policial para apurar a morte e o desaparecimento - e a Funai. "Eles estão todos armados, e nós não. O cara da fazenda tá juntando gente [pistoleiro] aqui. Paraguaio, brasileiro. Estamos esperando alguma notícia [dos órgãos públicos]". Segundo Dionísio, Funai, Força Nacional e Polícia Federal ainda não estiveram no local hoje.

"Os ataques sistemáticos dos pistoleiros revelam a audácia dos latifundiários e  demonstram o seu evidente menosprezo às normas legais e ao próprio Estado brasileiro. Naquela região, eles criam, julgam e executam as próprias leis", aponta o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto.  "Mais ainda, todo o conflito demonstra a inoperância do governo federal para reverter essas crises - e também uma aparente falta de vontade política em solucionar o problema".  Para o indigenista, há ali uma situação de trincheira, "uma guerra de um lado só, dos fazendeiros armados, com um poder público ausente", conclui.

Potrero guaçu

A área em processo de demarcação, retomada pelos guarani em agosto, sofreu mais um ataque. Dois pistoleiros paraguaios à cavalo abordaram indígenas, disparando pistolas e ameaçando de morte quem atravessasse a porteira da fazenda.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Posição da APIB sobre a suspensão da Portaria 303

Brasília-DF, 05 de setembro de 2012.
Ref.: Posição da APIB sobre a suspensão da Portaria 303
e proposta do governo de criar GT para discutir as condicionantes

Prezad@s parentes e parentas,

Como é de conhecimento de todos e todas, o Governo Federal, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), publicou em 17 de julho do corrente ano a Portaria 303, cujo propósito seria normatizar a atuação das unidades desta Advocacia em relação às salvaguardas institucionais às terras indígenas. A Portaria é praticamente a transcrição literal das condicionantes instituídas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Petição 3.388-Roraima (caso Raposa Serra do Sol).
A reação imediata da APIB foi manifestar publicamente o seu repúdio e exigência pela revogação imediata e integral deste ato autoritário, equivocado e inconstitucional do Governo, pois afronta de forma descarada os direitos originários dos nossos povos, garantidos pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais como a Convenção 169 da OIT, que é lei no país desde 2004, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas.
Diversas instituições, governamentais e não governamentais, personalidades, organizações e movimentos sociais se manifestaram no mesmo sentido. Especial repercussão tiveram as distintas manifestações e mobilizações protagonizadas por povos e organizações indígenas em distintas regiões do país (Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amapá, Pará, Amazonas, Maranhão etc.), inclusive em Brasília, onde delegações vindas da Bahia, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás ocuparam a sede da AGU, fatos que forçaram o governo a conversar com o movimento indígena em vários momentos. Todas estas delegações se mobilizaram ainda junto aos seguintes órgãos: Ministério da Justiça, Funai, Ministério da Saúde, Senado Federal, Câmara dos Deputados e STF.
A estas manifestações somaram-se manifestos das lideranças que compõem o Comitê Diretor do Projeto de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (GATI), antigo Gef Indígena; o Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais (CONDISIs) e a bancada indígena da Comissão Nacional de Política indigenista (CNPI). O plenário desta Comissão, que inclui a bancada governamental, aprovou no final dos trabalhos uma resolução em que recomenda à AGU a revogação da Portaria 303.
Percebe-se, desta forma, que todas as mobilizações reivindicaram a revogação integral da Portaria, ignorando a proposta da AGU de suspendê-la temporariamente, como foi até o dia 24 de setembro.
As lutas, porém, continuam. Muitas outras mobilizações e manifestos devem acontecer ainda no sul, nordeste e norte do país.
Em resposta a estas ações de indignação e pressão dos nossos povos e comunidades visando à revogação, o Governo propõe;
1) A suspensão da Portaria 303 “até o julgamento dos embargos de declaração postos contra a sentença do STF que julgou a ação judicial relativa à Raposa Serra do Sol.”

2) “A criação de um Grupo de Trabalho composto pelo Ministério da Justiça, AGU, Funai, e representantes dos povos indígenas, com o objetivo de discutir as condicionantes estabelecidas na Portaria 303/2012 e outras formas de viabilização de processos de demarcação de terras indígenas”
Estas propostas foram formalizadas por escrito pelo próprio ministro da justiça a uma delegação de lideranças de Mato Groso na sexta feira, 31 de agosto.
A Posição da APIB, reunida em Brasília de 03 a 06 de setembro é profundamente contrária a estas propostas pelas seguintes razões:
1) Somente a suspensão da Portaria não resolve absolutamente nada, pois manterá latente os riscos de conflitos fundiários generalizados no país. Isto é, não implicará no fim da insegurança jurídica, política e social patrocinada pelo latifúndio, o agronegócio e outros setores econômicos (mineradoras, empreiteiras, setor energético) interessados nos nossos territórios e suas riquezas. A suspensão tampouco levará à redução das expectativas dos invasores de continuar ou retornar às nossas terras, inclusive aquelas já homologadas e desintrusadas.
A APIB entende que a suspensão só favorece o governo, que busca preservar a imagem do ministro da AGU, Luis Inácio Adams, que é forte candidato a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

2) A criação de um GT para discutir a redução dos nossos direitos, especialmente territoriais, é um absurdo. Para que discutir as condicionantes, se além de terem sido criadas para o caso específico da Raposa Serra do Sol, são claramente prejudiciais e não podem ser generalizadas a todas as terras indígenas do país. Além do mais, o STF, ao julgar os embargos de declaração da Raposa Serra do Sol, ainda poderá esclarecer e até alterar as condicionantes.
Por outro lado, a criação de um GT constitui uma incoerência total desse governo, pois como é que ele pretende nos consultar, se a própria Portaria determina que nem as nossas comunidades ou a própria Funai precisam ser consultadas a respeito da ocupação dos nossos territórios por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico. Nem mesmo o processo de discussão sobre a regulamentação dos mecanismos de consulta estabelecidos pela Convenção 169 da OIT faz sentido neste momento.
Dessa forma, prezados parentes, a APIB considera que devemos seguir nos mobilizando e lutando pela revogação integral da Portaria 303 da AGU. Esperamos e confiamos no bom censo de todos para nos manter unidos em torno desta causa comum.

Pela defesa do direito territorial dos nossos povos.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Brasília – DF, 05 de setembro de 2012.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

MPF recorre para que o Supremo paralise novamente obras de Belo Monte


Recurso foi para o próprio presidente Carlos Ayres Britto. Se ele não
reconsiderar sua decisão, caso deverá ser analisado pelo plenário

O Ministério Público Federal entrou hoje com recurso no Supremo
Tribunal Federal para que seja paralisada a construção da hidrelétrica
de Belo Monte até que sejam realizadas as consultas aos indígenas
afetados pela usina. As obras foram autorizadas a continuar na semana
passada por uma liminar do presidente do STF, Carlos Ayres Britto, que
suspendia uma decisão anterior, do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, favorável à consulta. O recurso do MPF pede que o próprio
Ayres Britto reconsidere sua decisão. Se ele não concordar, o caso vai
ser examinado pelo plenário do Supremo.

O recurso do MPF é um agravo regimental e deu entrada hoje (04/09), com
assinaturas de Roberto Gurgel, procurador-geral da República, e da
vice-procuradora-geral Deborah Duprat. Eles sustentam que, de acordo com
a Constituição brasileira e a Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho, os índios devem ser consultados pelo Congresso Nacional
antes de qualquer decisão que possa afetar sua sobrevivência, como é o
caso das obras da usina de Belo Monte.

Afirmam ainda que a reclamação, recurso utilizado pela Advocacia Geral
da União para suspender a decisão do TRF1, não é a via correta para
resolver o processo, porque se sustenta em uma decisão provisória da
então presidente do STF, ministra Ellen Gracie. Para o MPF, “só
seria possível o manejo da reclamação para preservar a declaração de
constitucionalidade do decreto legislativo 788 (que autorizou Belo
Monte), se esta fosse uma decisão do plenário do STF, e não uma decisão
monocrática da então presidente da Corte”.

“Jamais uma decisão proferida em suspensão de liminar pode
condicionar o julgamento de mérito da ação principal. De modo que é
juridicamente impossível, por meio da reclamação, o pedido de anulação
do acórdão proferido em embargos de declaração em apelação cível”,
entende o MPF, para quem a decisão do TRF1 se sobrepõe às decisões
liminares anteriores e obriga a paralisação das obras.

Gurgel e Duprat afirmam também que a Constituição brasileira inaugura,
em 1988, novas premissas de cidadania para os povos indígenas,
desrespeitadas pelo Congresso Nacional no decreto que autorizou Belo
Monte. “O objetivo do constituinte foi empoderar as comunidades
indígenas, concebendo-as como sujeito e não como objeto da ação
estatal, e permitindo-as lutar pelos seus próprios direitos em todas as
esferas”, dizem.

“Não se pode considerar conforme à democracia e ao devido processo
legislativo uma decisão parlamentar que pode afetar direta e
profundamente uma comunidade indígena, sem  que se assegure a esse grupo
étnico pelo menos o direito a voz, pelo menos a possibilidade de tentar
influenciar o convencimento dos parlamentares, cuja decisão afetará o
seu destino”, diz o recurso do MPF, para concluir: “a consulta
posterior, quando já consumado o fato sobre o qual se pretende discutir,
é mera forma sem substância, incompatível com as liberdades expressivas
e a gestão do próprio destino que tanto a Constituição, quanto a
Convenção 169/OIT lhes asseguram”.

Todos os detalhes em:
http://www.prpa.mpf.gov.br/news/2012/mpf-recorre-para-que-o-supremo-paralise-novamente-obras-de-belo-monte

Ministério Público Federal no Pará
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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Belo Monte vai tirar a vida da Volta Grande do Xingu


O acesso fluvial dos indígenas à cidade de Altamira e o Sistema de Transposição de Embarcações

Os indígenas e as comunidades que vivem ao longo da Volta Grande do Xingu protestam com a falta de solução para o problema que a construção de Belo Monte causará ao acesso fluvial à Altamira. Esse é o Trecho da Vazão Reduzida (TVR), como ficou sendo chamado, porque o projeto prevê o desvio das águas do rio Xingu para alimentar o reservatório intermediário da casa de força principal da UHE Belo Monte.

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Desviar as águas do rio Xingu durantes as obras de instalação de Belo Monte e depois, na fase de operação, inviabilizará definitivamente o direito de ir e vir das comunidades. O rio é a via que liga a Volta Grande ao resto do mundo. O rio é a via que dá vida à Volta Grande.

Estão previstas no projeto obras de desvio do rio (ensecadeiras) para construção da barragem principal no Pimental (ver mapa abaixo). É nesse período que o TVR ficará intransponível sem os canais naturais de navegação que permeiam os pedrais, mesmo durante os períodos de seca.

As comunidades e propriedades rurais localizadas entre a cachoeira do Jericoá e o distrito de Belo Monte, na Volta Grande, numa extensão de 100 quilômetros, querem garantias da manutenção da navegação e condições de escoamento da produção.

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Até o momento não houve sinal do detalhamento de engenharia do Sistema de Transposição Provisório de Embarcações. Os engenheiros da Norte Energia estiveram nas aldeias para dar uma explicação técnica. Não convenceram. Acabaram por irritar ainda mais os indígenas. Os indígenas pediram que os técnicos desfrutassem mais alguns dias de sua hospitalidade, na aldeia Muratu, para tentar entender as propostas.

Já aborrecidos com o descumprimento das condicionantes, em especial com a questão da transposição das embarcações entre o barramento do rio Xingu, no sítio Pimental e no sítio Belo Monte, os indígenas da TI Paquiçamba não aceitaram as tais explicações técnicas. Uma vez que um trecho do rio será fechado, a Norte Energia tem que dar uma solução imediata para o livre acesso das comunidades ribeirinhas e dos indígenas, pelo rio Xingu, aos serviços essenciais de Altamira.

Em 27 de julho passado, o Ministério Público Federal (MPF) do Pará recomendou ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Nacional do Índio (Funai) providências urgentes para garantir a navegabilidade para as embarcações das comunidades na Volta Grande do rio Xingu e no rio Bacajá.

Mais um exemplo de irresponsabilidade no processo já irregular de Belo Monte

Belo Monte teria sido apenas um desenho mal concebido, se a Constituição Federal fosse obedecida. No entanto, o projeto inconstitucional saiu do papel e os problemas também. Foram ignoradas as condições impostas pela Nota Técnica (NT) 129/2009 da Agência Nacional de Águas (ANA), encaminhada ao Ibama, em 30 de setembro de 2009. Tanto a NT como uma cópia da comunicação interna da agência trataram de analisar os estudos de Belo Monte que tinham sido apresentados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

O documento que consta do Volume XII, páginas 2.142 a 2.171, do processo de licenciamento de Belo Monte, e que embasou a decisão da Diretoria Colegiada da ANA, para emitir a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) (1), marcou o início de uma seqüência de fatos irregulares que culminou com o protesto das lideranças indígenas das etnias Juruna e Arara, na aldeia Muratu.

A NT da ANA, na página 2.168 do processo de licenciamento, trata de navegação e explica que o arranjo de Belo Monte não previa a transposição dos pedrais da Volta Grande. Admite, ainda, que o empreendimento não propiciará melhores condições de navegação em relação às atuais, já que o trecho não será inundado pelo reservatório.

A ANEEL também confirmou para a ANA que o principal impacto a ser considerado, ao se proporem vazões menores que as naturais nos períodos de estiagem, é quanto ao uso do rio como meio de transporte das comunidades ribeirinhas e indígenas. Então, onde está a solução para impedir esse impacto?

A ANA transcreveu essa informação dada pela ANEEL. A ANEEL informou à ANA a existência de navegação para transporte de cargas, pelo rio Bacajá, dos pequenos produtores de castanhas do Pará, pescado, hortigranjeiros, cacau, além de passageiros no trecho de 100 quilômetros do sítio Belo Monte até Altamira.

Explicou ainda que "interromper ou prejudicar muito essa navegação significa impedir as pessoas de se deslocarem para locais ao longo do próprio TVR, onde existem postos de saúde e escolas, como é o caso da Ilha da Fazenda e Ressaca, e mesmo para Altamira. É em Altamira que a população busca apoio para se tratar em casos mais sérios de doenças e, também, para onde levam os produtos de suas atividades econômicas para serem negociados. A diminuição das vazões provocará uma alteração dos percursos de navegação, sendo necessárias escolhas de locais mais profundos e a existência de um mecanismo de transposição de barcos para se chegar à Altamira."

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A NT da ANA, então, concluiu que na DRDH deveria constar uma exigência para manutenção das condições de navegação, adequadas ao porte da navegação existente na região, para todas as comunidades, inclusive os núcleos rurais, durante todo o período de implantação e operação do empreendimento. Mais ainda, recomendou que constasse como condicionante, para converter a DRDH em outorga, "a apresentação do Projeto Básico do mecanismo de transposição de barcos, mostrando a sua viabilidade técnica para a transposição de embarcações que operam na região da Volta Grande do Xingu (inclusive as embarcações de transporte regular de passageiros)."

Em 6 de outubro de 2009, apenas seis dias depois de emitida a nota técnica para o Ibama, a ANA expediu a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) para o aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, com condicionantes. O inciso V do Artigo 6º diz o seguinte:

Esta Declaração será transformada, automaticamente, pela ANA, em outorga de direito de uso de recursos hídricos para o aproveitamento hidrelétrico ao titular que receber da ANEEL a concessão ou a autorização para o uso do potencial de energia hidráulica, mediante apresentação do:

V - Projeto Básico do mecanismo de transposição de barcos da barragem do sítio Pimental, mostrando a sua viabilidade técnica para a transposição das embarcações que operam atualmente na região da Volta Grande do Xingu, inclusive as embarcações de transporte regular de passageiros; (grifo meu).

Nenhum prego poderia ter sido martelado naquela obra sem que estivesse aprovado o Projeto Básico do mecanismo de transposição para as comunidades da Volta Grande!

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Não ficou nisso. Em 28 de fevereiro de 2011 essa DRDH foi transformada automaticamente em outorga de direito de uso de recursos hídricos em favor da Norte Energia S.A., para exploração do potencial de energia hidráulica. E no inciso IV, Artigo 3º, lá está ela novamente, a condicionante que deveria ter sido cumprida antes que a DRDH fosse transformada em outorga e antes que a obra começasse:

Art. 3º O outorgado deverá apresentar, nos prazos especificados;

IV. Projeto Executivo do mecanismo de transposição de barcos da barragem do sítio Pimental, mostrando a sua viabilidade técnica para a transposição das embarcações que operam atualmente na região, inclusive quanto à capacidade de carga do mecanismo, conforme levantamento definido no Item III, e compatível com as variações de NA (nível da água) dos futuros reservatórios, a ser apresentado à ANA até 30 de setembro de 2011;

Novamente a exigência sobre o Projeto Executivo do mecanismo de transposição das embarcações foi empurrado para a próxima fase. De 2009 passou para fevereiro de 2011, que passou para setembro de 2011, que passou para... Até o momento ela não foi cumprida, segundo a Norte Energia, em seu último relatório de julho de 2012. Prova disso é o recente protesto na aldeia Muratu.

Atendimento às condicionantes

O 2° relatório consolidado de andamento do PBA e do atendimento de condicionantes foi apresentado pela Norte Energia ao Ibama em 31 de julho de 2012. O capítulo 2 se refere ao Andamento do Projeto Básico Ambiental (PBA) e o item 14 diz respeito ao Plano de Gerenciamento Integrado da Volta Grande do Xingu onde constam:

14.2.1 Projeto de Monitoramento do Dispositivo de Transposição de Embarcações (página 1/9)

14.2.2 Projeto de Monitoramento da Navegabilidade e das Condições de
Escoamento da Produção (página 1/181)

O relatório nada mais é a repetição da mesma avaliação das características locais já na pauta do processo de licenciamento desde 2009. Pelo visto, a coisa anda tão a passos de cágado que, ainda em julho de 2012, essa gente estava avaliando a "funcionalidade do sistema a ser implantado" de estruturas que já deveriam estar funcionando!

Várias desculpas são usadas para tentar justificar o descaso com a questão, como "prazos tiveram que ser reformulados mediante a necessidade de revisão da proposição primeira para o sistema de transposição de embarcações, imposta por fatores técnicos e naturais da navegação no rio Xingu, como a existência de pedrais e rebojos nas proximidades do sistema e a engenharia naval frágil das embarcações regionais." Nem dá para entender a natureza desse argumento.

É tanta informação truncada que parece mesmo uma forma de ganhar mais tempo e postergar algo que já devia ter sido resolvido no plano de projeto em 2009.

Conclusão

A Norte Energia criou um arcabouço de entraves como justificativas:

I) a primeira etapa de “Levantamento de Referência para o Projeto de Monitoramento das Condições de Navegabilidade e Escoamento Produção” foi realizada ainda no primeiro semestre de 2011;

II) a segunda etapa, da “Distribuição de informações” para detalhamento do Projeto Detalhado de Engenharia do Sistema de Transposição Provisório de Embarcações, foi apresentada ao IBAMA em setembro de 2011;

III) mas o sistema, que sofreu críticas das comunidades e revisões técnicas, foi considerado inoperante devido aos fatores naturais e à fragilidade das embarcações locais (?);

IV) teve que ser reformulado e novamente apresentado ao IBAMA e à FUNAI em 22 de junho de 2012, no seminário em Brasília;

V) foi protocolada no IBAMA, no dia 29 de junho de 2012, a versão final do Projeto Detalhado do Plano de Contingências, documento que elenca as ações e responsabilidades em casos de paralisação do sistema por motivos técnicos ou ambientais conforme CE 307/2012-DS.

Passados três anos das exigências feitas pela ANA como condições para conceder a outorga ao empreendedor, não se apresentou ou comprovou ser possível manter as rotinas de navegação das comunidades no rio Xingu. Seja para escoamento da produção, seja para acesso aos serviços de saúde de Altamira, seja para simples deslocamento.

Para encerrar, faço referência ao Parecer nº 96/2012, do Ibama, de 14 de agosto último, que analisou a condicionante 2.6 da Licença de Instalação, sobre o detalhamento do sistema de transposição de embarcações a ser implantado no sítio Pimental. O parecer tomou como base informações, vistorias e uma visita feita ao modelo de Belo Monte construído em Curitiba, Paraná.

As conclusões informam que apesar de ter havido uma evolução no projeto do sistema apresentado no PBA, há ainda aspectos que precisam ser elucidados. Resumindo, o projeto do sistema de transposição de embarcações ainda não está concluído para implantação.

O projeto de Belo Monte tem irregularidades de sobra para voltar ao papel definitivamente e, junto com ele, os transtornos.

Nota:

1) Antes de um leilão para concessão do uso do potencial de energia hidrelétrica, a ANEEL deve obter a Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica (DRDH) junto ao órgão gestor de recursos hídricos que, no caso de Belo Monte, é a ANA. Depois da licitação a DRDH é convertida automaticamente, pela ANA, em outorga para o consórcio vencedor.