domingo, 7 de outubro de 2012

Entrevista com Osmarino Amâncio

Osmarino Amâncio, em entrevista ao Comitê Xingu Vivo (CXV), fala sobre destruição e os danos que Belo Monte vai causar, caso seja construída, a vida das populações tradicionais na Amazônia. Thiago Cassiano, militante da ANEL, entidade componente do Comitê Xingu Vivo.

Nascido em Brasiléia - AC, fronteira entre Bolívia e o Brasil, Osmarino Amâncio Rodrigues, iniciou sua vida política na década de 70, época em que ocorreram as grandes migrações da região sul e centro-oeste para a região amazônica, com intuito de estabelecer o desenvolvimento e o progresso na região, que diziam que a Amazônia era um vazio demográfico que deveria ser ocupado pela pecuária, agricultura, mineradora, madeiras e etc. Entretanto essas migrações não levaram em consideração a presença dos povos da floresta (seringueiros, índios, quebradores de coco de babaçu, castanheiros, ribeirinhos, pequenos agricultores) que habitavam a região, e já praticavam em suas atividades como meio de subsistência. Nesta mesma época surge um movimento iniciado pela igreja que defendia a teoria da libertação, nesse momento Osmarino passou a ser uma das lideranças no movimento. Cinco anos depois, junto com Chico Mendes, Wilson Pinheiro, Jesus Matias e outras lideranças do movimento seringalista fundaram o primeiro sindicato dos trabalhadores rurais da Amazônia em Brasiléia – AC.

CXV: Osmarino, durante séculos os recursos naturais da Pan-Amazônia tem sido explorado por poderosas empresas nacionais e transnacionais. São grandes projetos de monocultivo, exploração mineral e hídrica, no Equador, no Peru, na Bolívia e no Brasil, entre outros. Qual a sua avaliação sobre esta situação?

Osmarino: Eu acho que essa é uma das consequências que tem levado ao genocídio de populações tradicionais e de um pessoal que tem uma verdadeira proposta de desenvolvimento, que é os indígenas, seringueiros, quebradores de coco de babaçu, ribeirinhos e etc. Nós já estamos lá há muitos anos, há séculos, e a gente sempre viveu bem no meio da floresta, sem ter energia elétrica, sem ter água encanada. A gente sempre manteve esta floresta em pé. Estes projetos a consequência deles é o extermínio de grandes biomas, no Andes, no Peru, que ta sendo detonado pelas madeireiras e hidroelétricas. Vão ser destruídos com finalização da BR do pacífico. Os projetos dos aeroportos, dos portos que vão garantir a exportação da madeira, da soja, do etanol. É um projeto articulado pelo capitalismo internacional para a acumulação de riqueza nas mãos de poucas pessoas. Essas barragens, por exemplo, nós não vamos em hipótese alguma ser beneficiados com a energia que é feita pela barragem de Santo Antônio, do Jirau, Belo Monte, pelas barragens que estão sendo feitas no Peru, na Bolívia e etc. São barragens que estão sendo feitas para garantir que essas grandes empresas continuarão poluindo os rios, distroçando o potencial natural através do plantio de monocultivo, da extração de madeira, extração do minério, assim como a Vale do Rio Doce faz, abrindo crateras e mais crateras, envenenando rios com mercúrio, exportando nossas matérias primas. Então, pra nós isso não é sustentável. Esses grandes projetos de expansões acabaram com milhares de espécies de plantas e animais, destruíram com sítios arqueológicos milenares, jogaram milhares de pessoas na rua da amargura. Belo Monte é mais um exemplo disso, foram 30 bilhões de reais tirados da educação, saúde, saneamento, moradia, habitação, são recursos que estão sendo jogados para enriquecer ainda mais o grande empresariado. São projetos destruidores de toda a nossa cultura, o extermínio de um povo que deu exemplo de como viver sem dinheiro de banco, sem necessitar de muitos recursos, que se eles tivessem o mínimo de atenção não tem lugar melhor de se viver se não no meio da floresta.

CXV: O governo Brasileiro tem investido na construção de grandes projetos de infra-estrutura, são estradas, aeroportos, hidrovias, e hidroelétricas, entre outros, tudo isso para atender indústrias e mineradoras que por décadas vem degradando o meio ambiente. O PAC é o carro chefe dessa política brasileira. Como você vê essa situação?

Osmarino: O PAC é outro projeto que foi implementado para garantir que o grande empresário, as grandes multinacionais, obtivessem grandes lucros. E essa política na Amazônia não está solta, faz parte de uma grande engrenagem que o governo dirige, e isso é uma forma de dar continuidade, ou melhor jogar o capitalismo com todas as suas garras numa região em que, por si só, o capitalismo ainda não tinha chegado com todas suas forças, que é a região da Amazônia. E isso só era possível ter uma logística se apresentasse um governo que garantisse esses investimentos. Isso começou com FHC e o Lula teve muito mais capacidade de se vender, com muito mais facilidade de trair uma proposta de reforma agrária, que a gente tanto colocou esperança, em um operário que quando chegasse ao poder iria trabalhar para o camponês, para o estudante, para a classe trabalhadora. Por que ele passava essa impressão pra nós. O que o Lula fez quando saiu, deixando a mensagem de que os usineiros que são os que mais detonam, são os grandes heróis. Foi no governo dele onde a terra ficou mais concentrada nesse país. Então quer dizer o PAC vem com esse objetivo de fortalecer o capitalismo nesse bioma da Amazônia, no bioma do Cerrado, e no bioma dos Andes, por que são biomas muito complexos. E com isso o objetivo de PAC é destruir todo nosso potencial natural em nome do crescimento, em nome de aumentar o bolo pra depois dividir, e divide-se apenas pra meia dúzia de grandes multinacionais.

CXV: No rio Xingu está sendo construída a terceira maior hidroelétrica do mundo, Belo Monte. Essa hidroelétrica vai expulsar mais de 40 mil pessoas de suas casas e terras, impactar diretamente quatro áreas indígenas, secar 100 km do rio, custar mais de 30 bilhões de reais aos cofres do governo, tudo isso para gerar energia para as grandes indústrias do centro-sul e mineradoras da região. Qual a sua opinião sobre a construção de Belo Monte?

Osmarino: primeiro que Belo Monte é uma agressão a uma forma de vida, então eu gostaria de mandar mensagem para todos que estão se opondo a construção de Belo Monte, porque na minha região nós já vimos esse filme na construção de uma BR chamada Transamazônica - 317 e agora a BR do Pacifico. A BR 317 expulsou 50 mil famílias só do Acre, dos seringais, jogou na rua da amargura. Esse pessoal foi para a Bolívia cortar seringa e quebrar castanha. Além disso, expulsou mais 80 mil famílias para as periferias das cidades. Então, são projetos que vem sendo elaborados pelo sistema capitalista e a gente tem que entender que sistema como esse tem que ser levado em consideração em todas as nossas discussões e que ele precisa ter um combate, não dá pra nós combatermos a barragem do Belo Monte sem combater os grandes empresários, sem combater o Jader Barbalho, sem combater o PSDB, sem combater o PT. Esse pessoal dá logística para o grande capital, são os grandes mentores desses projetos de expansão. E o que eu acho dessa barragem é um recado pra nós se mobilizar, se organizar e saber que com a direita não se tem um projeto de vida, com o capitalismo se fortalecendo com esses projetos, nós vamos ter barbárie, vai ser o desemprego, a violência, a miséria a prostituição, o narcotráfico disputando a juventude. Então, eu acho que a gente tem que adquirir a consciência de que esse sistema é um sistema defasado. E o que é bom para o governo, é bom para as indústrias, para o agronegócio, para as empreiteiras, mas não é bom para o professor, para o aluno, para a dona de casa, para o trabalhador da construção civil. Por que hoje nos estamos vivendo de bolsa família, de esmola do governo, para poderem fazer o que bem entendem e a população baixar a cabeça e aceitar numa boa. E isso não é sustentável você viver de bolsa. Além da aprovação de Belo Monte, vem acompanhado de outros projetos, como é o caso do mercado de carbono, do REDD*, do fogo zero e em contra partida você não vê investimentos em educação. E o país tem tecnologia e dinheiro para evitar o aquecimento global, que não é culpa dos índios, não é culpa dos seringueiros, não é culpa dos quebradores de babaçu. É culpa única e exclusivamente desse sistema que impõe os grandes projetos sem levar em consideração as consequências graves que vai acontecer e irreparáveis com a construção de Belo Monte. Você não respeita a natureza e a natureza vai se vingar disso futuramente, e nós vamos ter que pagar um dia por isso. Agora, nós não deveríamos pagar por isso, como os companheiros que estão contra Belo Monte, vão pagar por algo que não foi eles que fizeram e hoje nós temos que levar a julgamento a todos os responsáveis pela barragem de Belo Monte. Nós temos que levar esse povo, a um júri para que eles possam pagar pelas consequências irreparáveis. E isso só tem uma forma, se organizar, organizar as oposições sindicais, organizar os movimentos revolucionários nesse país, organizar a luta pela reforma agrária, lutar pela educação de qualidade, pela saúde de qualidade, e isso só vai ser possível quando você não tiver preocupação com aumento do PIB, equilíbrio das bolsas de valores e etc. Se investir em educação o povo não vai aceitar isso. E os nossos governantes não querem isso, por que um povo com educação não aceita essas falcatruas. E por falar em educação, acho que os nossos governantes também não receberam educação por que não respeitam que a harmonia entre humanos e a natureza tem que ser trabalhada e respeitada e eles não estão levando isso em consideração.

*REDD: (Reduce Emissions for Deforestation and Degradation), ou Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação.

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